Geist: The Sin-Eaters – Visão Geral [Primeira Edição]

Sempre tem o depois, o amanhã, a próxima vez; outras oportunidades para se ter o quê ou quem você deseja. Não precisa se afobar, pôr o carro na frente dos bois, afinal, não é como se você fosse morrer hoje… ou é?

A existência de um devorador de pecados começa quando ele morre. Sim, ele morre. E não uma morte calma e tranqüila, que tenha vindo em seu devido tempo, quando tudo que havia de ser feito, já havia sido feito. Não, você não apenas morreu, a vida foi arrancada, roubada, engabelada de suas mãos, e agora você esta morto e não há nada mais que se possa fazer a respeito. Nada, até que algo lhe oferece uma alternativa inusitada ao vazio da morte: a alternativa é viver. Não estou falando de voltar a sua rotina de sonhos abandonados, compromissos não realizados e oportunidades perdidas. Isso era a sua vida, mas isso não é Vida.

Essa é a barganha, esse é o trato, uma vida completa e plenamente vivida, no lugar do descanso eterno do túmulo. Muitos afirmam que não pensariam duas vezes antes de aceitar o trato com tal ser misterioso – o geist -, mas poucos se recordam da maldição chinesa, “Que você tenha uma vida interessante”. De fato, a segunda vida de um devorador de pecados é das mais interessantes.

Assim é Geist: The Sin-Eaters, um jogo de interpretação sobre segundas chances. O preço pela sua segunda chance? Não só você tem de viver a sua vida – para que o geist também viva através de todas as suas sensações -, como também passa a estar ciente da morte ao seu redor. Fantasmas, doenças, locais onde alguem tenha usufruído de seu último suspiro, utensílios usados para criar morte ou para interagir com a mesma: não apenas você os nota, como tambem relaciona-se com eles. E, tal qual no começo do jogo, a morte sempre tem espaço para barganha, desde que você pague o preço que ela sempre cobra: vida. Em troca, você pode explorar, auxiliar, lidar ou destruir a morte e suas criaturas. Essa percepção refinada e permanente da morte, em conjunto com a necessidade de viver, são as peças centrais desse jogo. 

Thresholds

Em Geist, você é responsavel por criar alguns elementos que influenciam e vão além de um personagem padrão de mundo das trevas. Primeiro, você escolhe como foi a sua morte, o Threshold. Existem 5 tipos definidos de Threshold no livro, e todos são bem amplos, por isso, às vezes sua morte pode parecer se encaixar em mais de uma opção. Nesse caso, escolha quais dos elementos de sua morte tem maior relevância, pois os Thresholds também estão relacionados com metade dos seus efeitos sobrenaturais mais potentes no ínicio do jogo. Os Thresholds são:

The Torn: Mortos por violência, os sangrados, vítimas de malícia. Marcados pelo assassinato e conflito, são os escolhidos do cavaleiro vermelho.

 

The Silent: Mortos por privação, os famintos, vítimas de negligência. Marcados pela fome e a necessidade, são escolhidos do cavaleiro negro.

 

The Prey: Mortos pela natureza, os devorados e afogados, vítimas dos elementos. Marcados por garras, onda e terra, são os escolhidos do cavaleiro pálido.

 

The Stricken: Mortos pela peste, os destroçados, vítimas da praga. Marcados pelo veneno, virús e bactéria, são os escolhidos do cavaleiro branco,

 

The Forgotten: Mortos por chance, pararaio humano, vítimas do infortúnio. Marcados por um fado injusto, são os escolhidos do cavaleiro cinza.

 

Archetypes

Não importa qual seja a história do seu personagem, sentir a força da morte, a existência de fantasmas e o seu retorno ao mundo dos vivos, vai mudar profundamente sua visão sobre o mundo e seu papel nele. Desse modo, o jogador deve escolher o Archetype [Arquétipo, em tradução livre] ligado à morte que melhor represente o seu personagem. Tal Arquétipo, apesar de mais específico que os Thresholds, é amplamente adaptável pelos jogadores, pois, enquanto os Thresholds apresentam as áreas de influencia sobrenatural as quais seu personagem tem acesso, os Arquétipos representam um meio de sintonia para com o mundo dos mortos, reduzindo os custos dos poderes mais potentes dos devoradores de pecados, e dando algum nível de satisfação pessoal por fazer o que ele considera o certo, ou seja, força de vontade. Todos os arquétipos são associados fortemente com morte, tanto com a literal, quanto com a simbólica. Temos então:

  • Advocate — Dedicado a finalizar os assuntos inacabados dos mortos.
  • Bonepicker — Usam seus poderes do além para garantir um mundo mais confortável.
  • Celebrant — Aqueles que viram a morte e se entregaram a vida ao máximo.
  • Gatekeeper — Protetores dos caminhos entre a vida e a morte.
  • Mourner — Devotos/viciados nas paixãos dos enlutados ou dos mortos.
  • Necromancer  — Buscam os conhecimentos dos mortos e os ensinamentos ocultos da morte.
  • Pilgrim — Aquele que tenta purificar a si mesmos e aos outros, para que possam seguir a sua jornada.
  • Reaper — Juízes e Executores, escolhendo quem vive e quem morre. 

Psyche e Anchor

Por fim, você cria o seu Geist, ou melhor, a relação do devorador de pecados com o Geist dele. O Threshold, o Arquétipo e os dados anteriores do personagem são bons guias para determinar isso. Nesse jogo, a sua moralidade não tem nada a ver com a moral como a entendemos, mas, sim, com o quão bem você e seu Geist conseguem agir em conjunto, isto é, sua Psyche.

Você tambem define um item que representa o seu Geist e a barganha feita com ele, sua Anchor. Em jogo, você pode invocar esse item a qualquer momento e, enquando ele estiver manifestado, você receberá benefícios em rolagens que façam parte da simbologia do objeto. Uma falha do jogo é a discussão sobre como se dá a comunicação entre Geist e devorador, e quais seriam as consequências de seus desentendimentos. O tratamento dado ao tópico foi superficial, uma falta de atenção bastante incômoda em um livro tão rico em simbologia e customização. 

Memento, Plasma e Regeneração

Os poderes de Geist são bem estranhos: além da total interação com a morte, seus objetos e suas criaturas, o devorador retorna à vida toda vez que morre de qualquer outra causa que não a natural. A experiência, extremamente traumática, tem como custo não só a sua sanidade, mas também a vida de uma pessoa escolhida ao acaso. O jogador também tem meios de resistir a danos, mas não a dor, o que garante ao personagem alguma integridade física mesmo perante os mais brutais ataques. É possível sacrificar objetos ligados a morte, Mementos, para se regenerar. Os Mementos podem ser uma lembrança de alguém que faleceu ou a arma que levou alguém a falecer, esses itens lembram uma cruza entre Trinqueiras das fadas com os Fetiches dos lobisomens.

Outro método de regeneração é devorar fantasmas e outros geists para recuperar sua energia sobrenatural, chamada de Plasma.

Keys e Manifestations

Os poderes mais individuais da linha têm uma mecânica bem diferenciada dos demais jogos do Mundo das Trevas; cada poder é, na verdade, a combinação do tipo de coisas que você esta afetando, as Keys, com a forma pela qual você as esta afetando, as Manifestations. Além disso, o controle sobre a potência dos efeitos é bem reduzido. Basicamente, você esta abrindo uma porta, mas o que exatamente vai sair de dentro dela, já não é mais seu departamento.

As chaves – metafóricas -, são determinadas pelos Thresholds. Você começa com duas, podendo utilizar uma mesma chave para ativar e manter uma ou mais manifestações. Contudo,  não se pode usar chaves diferentes para abrir e manter a mesma manifestação.

As Keys são:

  • Cold Wind: Chave elemental ligada ao ar;
  • Grave Dirt: Chave elemental ligada à terra;
  • Industrial: Ferramentas e tecnologia. Quanto mais antiga a tecnologia, melhor;
  • Passion: Emoções;
  • Phantasmal: Ilusões e projeções do além-túmulo;
  • Primeval: Animais, natureza e instinto;
  • Pyre-Flame: Chave elemental ligada ao fogo;
  • Stigmata: Carne e sangue. O devorador pode sacrificar sua integridade física para acessar os poderes dessa chave;
  • Stillness: Ausência, sombras e mortos;
  • Tear-Stained: Chave elemental ligada à agua:

Porém, essas não são todas as Keys possíveis do jogo – daqui a pouco eu explico melhor.

As Manifestations ditam as suas paradas de dados, mudando profundamente a cada Key que você usa. Algumas são similares, outras, completamente diferentes.

  • The Boneyard: Você afeta os elementos relacionados a chave dentro de uma área. Essa área pode ser ampliada quando a chave tiver particular sinergia com algum elemento característico do local, como, por exemplo, um prédio inteiro – quando se usa a chave industrial.
  • The Caul: Remodela o seu corpo, quase sempre é visual.
  • The Curse: Você amaldiçoa os outros. As maldições desse jogo costumam ter durações particularmente longas;
  • The Marionette: Controle dos objetos relacionados à chave. No caso das chaves elementais, você cria um homúnculo elemental;
  • The Oracle: Aumento dos sentidos, revela o que já aconteceu e o que ainda esta por acontecer;
  • The Rage: HADOUKEN! (Normalmente ela produz efeitos de ataque, tomando a forma da Key com a qual ela for utilizada.)
  • The Shroud: Governa efeitos de alteração e melhorias em seu próprio corpo, geralmente para sua proteção.

E como se esse verdadeiro arsenal sobrenatural não fosse o suficiente, o devorador ainda pode ter acesso a alguns rituais misticos, similares aos rituais da linha Lobisomem: Os Destituídos – só que para fantasmas.

Com esses elementos, você já pode iniciar o jogo. Porém, a criação do personagem não termina com o começo do jogo, apenas muda de escala, devido a quantidade de vida que um grupo de geists, a Krewe, gera e oferece ao mundo dos mortos: recuperação de Plasma, banir fantasmas ou matar gente.

Em algum momento, o submundo retribui os devoradores – pagou, levou -, essa retribuição se dá quando a Krewe finalmente define para si mesma uma identidade. Similar ao momento em que o devorador assume seu Arquétipo, a Krewe se transforma e se beneficia qando os personagens usam seus poderes dentro da proposta do Arquétipo da Krewe. Detalhe importante: essa identidade – que é encontrada e assumida pelos personagens, e criada pelos jogadores e narrador -, na verdade, é toda uma mitologia de valores morais e metafísicos. Tais valores servem para explicar e guiar o universo mundano e sobrenatural do seu jogo. A Krewe ganha, então, acesso a Vantagens, que ela pode comprar gastando XP normal ou a XP de Krewe – recebida toda vez que age de acordo com os conceitos da identidade da Krewe. Os poderes vão desde bônus em rolagens de Perícias e Atributos, até imortalidade, passando por uma forma guerreira e a criação de Keys inteiramente novas. 

O Submundo

Com tanta coisa nova, esse jogo continua a bombardear o jogador com seu universo estranho, apresentando-nos o Submundo. Completamente diferente de espíritos e projeções emocionais, que apenas desejam que você combine melhor com eles, os nativos do Submundo querem extrair cada gota de vida contida no seu ser. É uma rede de cavernas infinita, cortadas por místicos rios e pontes que muitos já atravessaram, mas poucos retornaram.

Uma questão interessante é que o mundo dos mortos não é um reflexo reativo do Mundo Material, como os outros reinos. O Submundo em si é estéril, possuindo apenas uma conexão com o mundo real, os próprios fantasmas, suas lembranças e emoções. Toda a paisagem que deriva de cavernas são, na verdade, os restos metafísicos do mundo que os fantasmas carregam para o Submundo. O tamanho e riqueza do cenário é diretamente proporcional a quantos mortos aquele cenário gerou, então, quase todos os cemitérios, tumbas, campos de batalha e cidades santas, são reflexos mais do que fiéis do submundo. E não só o cenário é refletido como também muitos itens místicos e conhecimentos perdidos.

Não vá achando que só existem fantasmas no mundo dos mortos; aparentemente, existem criaturas que nunca viveram e nunca morreram, apenas existem lá: são os Psychopomps. O mundo subterrâneo também tem lordes, os lordes da morte – Kerberoi -, verdadeiros ditadores dos mortos. Porém, se você conseguir entender as distorcidas visões de mundo que eles possuem, é possível negociar com eles. Já com os Chthonians, você não tem nem mesmo esse luxo.

Como se não bastasse, você ainda precisa lidar com demais penetras como você, concorrendo pelos mesmos recursos. As Sacrosanct Krewes fanáticas são quase tão sem-noção quanto os Kerberoi – com o adicional de te seguirem, inclusive, no mundo dos vivos -, e, por fim, não é tão incomum assim outros seres do mundo das trevas, até mesmo humanos, entrarem no submundo, seja por acidente, por ganância, curiosidade ou amor. No mundo dos mortos, os homens mortos contam histórias.

Enfim…

O universo de Geist revolve a morte, tornando os devoradores de pecado perfeitos para crossovers com outras linhas do NWOD. Os devoradores são meio que os halflings do mundo das trevas, não particularmente ameaçadores – até mesmo amigáveis, à primeira vista -, mas, quando você menos esperar, ele apresenta algo que você não faz a menor ideia de como alguem como ele, ou mesmo você, poderia ser capaz de fazer.

Esse é o jogo: toneladas de simbologia, um assunto mais sério, com os devidos espaços para alivio cômico – caso assim você deseje -, e muito espaço para customização. Isso quase chega a ser um ponto contra, na verdade: Geist é um jogo voltado para jogadores com alguma experiencia, idealmente, que ja tenham narrado. Jogadores inexperientes até têm como se divertir, mas é como ter uma ferrari e não passar dos 50Km/h, um desperdício de cortar o coração. De longe, é uma das minhas linha preferidas do NWOD, pena que ela é vista como segunda divisão.

Por fim, fiquem com nossa recomendação musical, que tem a cara da linha:

7 Replies to “Geist: The Sin-Eaters – Visão Geral [Primeira Edição]”

  1. Ótima resenha. Este é um cenário que me interessa muito.

    Gosto bastante deste tipo de poderes que podem ser combinados, como em Ars Magica, Changeling: o Sonhar e Dark Ages: Mage. É uma forma interessante de gerar efeitos versáteis em jogo. 🙂

    1. A cruza de poderes da todo um sabor diferenciado na relação do devorador com suas capacidades místicas, reforçando as diferenças entre ele e outros seres sobrenaturais.

  2. Tanto é linha secundária que eu não conhecia Geist, infelizmente.

    Adorei o jogo, começando por essa capa fantástica.

    Parece um pouco “pesada” em mecânica no início, com diversos grupos, arquétipos e tudo mais, mas imagino que lendo o livro fique mais claro. Além disso, como comentado na matéria, é mais direcionado para um público maduro.

    Curiosidade: geist é espírito, fantasma, em alemão.

    1. Sim, a mecânica do Storytelling System é pesada mesmo. É um dos pontos negativos do jogo pra muita gente.
      Porém o sistema cumpre a proposta do jogo muito bem, permite bastante espaço para o jogador ditar o ritmo do jogo e influenciar o cenário ao mesmo tempo que mantém um atmosfera de risco e perigo permanente.
      Com algum esforço você se familiariza com o jogo e tudo fica bem mais fácil.

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