Jogadores são aquelas criaturas do abismo enviadas pra complicar e descarrilhar a sua narrativa friamente calculada e planejada. Eis aqui algumas formas de lidar com esses perigosos seres abomináveis. Esses truques servem pra qualquer sistema de jogo.
Você quer narrar uma história de intriga e o seu jogador fez um Brucutu lutador de MMA.
O jogador quando faz o personagem está pensando em algo que ele quer experimentar. Nem sempre ele se lembra que o personagem fará parte de um elenco maior, parte de uma narrativa que o inclui, mas não se limita a apenas a sua história. Logo é útil para o narrador procurar formas de trazer essa perspectiva para o jogador.
O primeiro passo é a famosa sessão zero. Informe os jogadores que tipo de trama você irá narrar e pergunte quais elementos eles querem que sejam reforçados no jogo.
O passo seguinte é narrar cenas do histórico do personagem, aquele troço que muito narrador ignora, pois é chato pacas e não serve pra nada. Narre cenas que são similares a cenas que surgirão na crônica. Se a crônica tem muitas cenas sociais, narre cenas sociais, se a crônica tem cenas de investigação e troca de favores burocráticos, narre uma cena dessas dentro do histórico de personagem. Narre sem o uso de regras, e aceite as ações do jogador como bem sucedidas, apenas anote o que ele teria utilizado naquela ação.
Outra coisa interessante de fazer nessas cenas é deixar claro objetivos para o personagem que só seriam alcançados através de determinados tipos de ação. Um cena social, você afirma que um dos NPCs precisa ser convencido a fazer algo no futuro para o personagem do jogador. Nesse caso se o jogador escolher violência física como método, você pode deixar bem claro que o jogador fica na dúvida se conseguiu ou não o objetivo da cena.
Tudo bem você restringir a categoria de soluções possíveis nessas cenas, mas não restrinja a apenas uma ou duas abordagens (perícias e afins) específicas. Lembre que você quer descobrir o método de abordagem mais comumente escolhido pelo jogador e sintoniza-lo a proposta da narrativa, você não quer impor um método específico a aquela cena específica.
No final da narrativa veja se ele é razoavelmente competente em todas as capacidades que ele invocou na narrativa. Altere a ficha de acordo com o que estiver faltando e com o que ele não usou.
Essa dica de agora é mais difícil, você tem que recompensar o jogador pelas escolhas que ele toma. Eu sei que isso é difícil, eu sei que isso vai muitas vezes te fazer repensar toda a trama preparada. Mas você como narrador tem que se lembrar que RPG é essencialmente uma narrativa compartilhada. Agência e escolhas é a forma do jogador de contribuir com a narrativa. É sua função como narrador estimular essa agência.
Alguns jogos não tem ferramentas diretas dentro do jogo pra recompensas, logo eis algumas ideias:
- Bônus temporários em ações futuras imediatas
- Experiência
- Item útil a aventura
- Favor de um NPC
- Vantagem temporária ou permanente
- Re-fazer um teste no futuro próximo
- Controle narrativo da cena
Veja que agência e escolhas nem sempre são escolhas que beneficiem o personagem dentro da narrativa. Um jogador que escolhe falhar em determinada ação devido ao estado emocional do seu personagem também merece esse tipo de recompensa. Você inclusive pode brincar com a ideia de permitir os jogadores piorem as falhas de seus personagem em troca dessas recompensas. Se o seu sadismo for grande, dê o controle narrativo da falha para o jogador e o recompense de acordo com o quanto ele foi masoquista na narrativa.
Recompensar escolhas só vale se elas reforçarem os temas da narrativa. Isso é extremamente importante. Se você estiver na dúvida, faça uma votação rápida entre os teus jogador se o ação reforça o tema e porque ela reforça o tema.
Agora um problema que eu vejo muito presente nos narradores, medo de powerplay. Aquele personagem todo combado que parece um trator na crônica passando por cima de todos os desafios. Pra você que está lendo esse texto talvez você intua qual é a solução que eu proporei.
Dê defeitos claros para cada ultra-capacidade do personagem. É só isso. O jogador tem um “atributo” no limite possível que o sistema permite, garanta que ele tem um “atributo” abaixo da capacidade padrão do cenário. O jogador tem um artefato extremamente poderoso, põe gente atrás desse artefato ou esse artefato gerando outras consequência perceptíveis. Aqui vale lembrar a dica da sessão zero, o “inconveniente” da super-capacidade do personagem tem que estar na temática da narrativa e seria interessante o jogador fazer ideia de como ele vai usar a super-capacidade nas cenas mais comuns da trama. Aqui inclusive você pode fazer barganhas faustianas com os jogadores além do que o sistema permite:
- Você dá ao jogador uma super-capacidade em troca um inconveniente.
- Aumentar um “atributo” em um ou dois níveis em troca de reduzir um “atributo”.
- Aumentar a competência do jogador numa área específica em troca de torná-lo incompetente em outra área.
- Artefatos
Modo fácil. Mantenha os aumentos e os redutores na mesma categorias, ou seja se você está permitindo ao jogador aumentar um atributo ou competência física, aplique o redutor em um atributo ou competência física. Se você deu ao jogador um artefato que facilita lidar com situações sociais, crie um inconveniente social que não pode ser eliminado pelo item. Saca o Um Anel do Senhor dos Anéis, que permitia o Frodo ficar invisível exceto contra os monstros que estavam caçando o anel. É disso que eu estou falando. É uma capacidade que eliminava 90% dos perigos, mas era completamente inútil contra os bichos roubados do cenário e atraía a atenção deles. Veja que “atributo” e área de competência são os mais fáceis de lidar na maioria dos jogos.
Amarre os jogadores na trama. Eu sei que isso é mais fácil de falar do que de fazer. Essencialmente aqui você está brincando de tacape e cenoura.
Escolha algo querido ao personagem/jogador e ponha em risco devido a trama. Veja que aquí você pode muito bem brincar de meta-game, e tornar um detalhe do histórico ou posse do personagem algo importante. Se lembra das ideias de recompensas para escolhas de jogadores. Aqui você pode dar uma recompensa do nada para o jogador em troca de ele assumir que algo/alguém importante pra ele está em perigo ou envolvido no resultado da trama.
Escolha uma recompensa. Estranhamente essa é a parte mais difícil. Tem que ser algo que esteja a parte da progressão normal do jogo, ou seja, no caso de jogos de ação tem que ser algo além da recompensa por derrotar o desafio. Não precisa ser algo que quebre o jogo mecanicamente. Mas não pode ser algo ignorável. Eu costumo dar “artefatos” aqui, pois tem como eu por o artefato em risco ou usar consequências inesperadas do artefato em tramas futuras. Qualquer coisa que não seja uma capacidade permanente do personagem funciona bem.
Como o artigo já está longo, vou encerrar por aqui. Se vocês gostarem, comentem e deixem dúvidas de como lidar com possíveis problemas de jogo. Tem algum problema que vocês já passaram e nada do que eu escrevi aqui se aplicaria? Compartilhem as suas experiências mais cabeludas. Quem sabe eu continue o artigo no futuro.
São dicas ótimas que funcionam perfeitamente com o Crônicas. Recompensar “boas escolhas” é algo tão facilmente deixado de lado as vezes que faz jogadores travarem, ficarem com medo de errar ou fazer o que gostariam na narrativa.
Eu sinceramente estou mais inclinados a nichos mesmo, personagens dos jogadores tendo uma área de destaque e um “ponto fraco” pra mim são melhores que os “medianos” que na hora de rolar dados colecionam apenas frustração.
Muito bom o artigo, aprendi bastante com ele, eu nunca tive medo de jogador combado, mas sempre tenho dificuldade de aproveitar e pôr em uso tudo que o jogador está propondo, mas com essas dicas acho que melhorarei bastante, não tenho muito o que acrescentar, só agradecer mesmo, valeu!