Jorge dos Santos Valpaços
PRÓLOGO: PRAZER EM CONHECÊ-LOS E BLÁ-BLÁ-BLÁ NECESSÁRIO
Olá amigas e amigos! Me chamo Jorge Valpaços e neste texto buscarei contribuir, de alguma forma forma, com o blog NWoD Brasil. Vez por outra reflito e converso sobre algumas questões em torno do CofD e acho interessante dividí-las com entusiastas dos jogos publicados pela Onyx Path. Mas, antes do texto em si, umas palavrinhas.
Fico um tanto receoso com os comportamentos (RAAAAGE!) que ocorrem em alguns ambientes virtuais. Tudo é motivo para voadoras nas costelas, xingamentos, polarizações. Acho que não é bem por aí que as discussões ocorrem. Inclusive acho bacana escrever no NWoD Brasil porque a postura do pessoal por aqui não é assim. De forma direta: não vou qualificar comparativamente WoD e CofD, também não vou considerar CofD a última cereja do bolo dos RPGs. Aliás, tentarei não comparar o CofD a qualquer outro jogo.
Eu costumo ser bem aberto a diferentes jogos, de abordagens old-school até indies bem “diferentões” (sabe-se lá o que isso quer dizer). Acho que não cabe ficar comparando jogos de forma pejorativa, sobretudo em um blog que (adivinhem só) trata exclusivamente de CofD. Ou seja, apesar de jogar outros jogos, aqui vou me restringir ao que acho bacana (e também o que não acho) da linha CofD. Ah, mas dá pra falar de outros jogos, dá pra comentar sobre outras coisas. Claro! Falaremos amistosamente sobre tudo isto, sem qualquer problema. Mas vou tentar me ater à temática do blog, sem efetuar comparações, até porque verifico que as mesmas por hora são criadas apenas para atingir quem gosta de outros jogos.
Fim do blá-blá-blá.
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ATO 1: A SEMENTE
Hoje quero falar um pouco de elementos particulares do CofD que me fazem muito bem ao ler os livros, narrar e jogar. Já havia notado alguns destes elementos há algum tempo, mas minha mesa de Geist: the Sin-Eaters fez com que eu atestasse a realização destes elementos na mesa de jogo. Isso é muito, muito bacana mesmo. Mas que elementos são estes?
Vários, talvez muitos. Seria absurdo elencar todos os pontos do design do CofD que merecem comentários. Como é necessário efetuarmos recortes, me atenho à preocupação que o CofD dá na conexão entre elementos mecânicos – não puramente matemáticos – tanto com o adensamento da experiência imersiva em seu personagem quanto na própria narrativa que se desenvolve. E este processo de interconexão está sendo amplamente trabalhado e expandido pela Onyx Path.
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ATO 2: O CRESCIMENTO
Ok, você está certa, está certa ao comentar que estas características extremamente positivas não se encontram apenas no CofD (e obviamente, não apenas em Geist). Todos os jogos do CofD possuem, de uma forma ou outra, tais elementos. Basta analisar The God-Machine Chronicle, algo presente já em Mirrors (The Infinite Macabre/Bleeding Edge), suplementos específicos (ou seja, fora da Linha Azul) como Victorian Lost (para Changelling: os perdidos) ou ainda o Magnum Opus (para Promethean: the Created). E sim, isto se apresenta com maior intensidade, quase sendo uma ruptura se analisarmos as segunda edições dos títulos do CofD ou o próprio livro Chronicle of Darkness (o “novo core”). Mas… do que exatamente eu estou falando?
Se você ficou atento ao Dark Cast#001, ouviu o Ped… digo, o S3rv3r1n0 dizer que há uma crescente preocupação no design de Vantagens, desvantagens e demais elementos não com uma relação direta à mecânica de rolagens ou graduações de poder. Aliás, você não ouviu o Dark Cast? Pare de ler este artigo agora e pelo menos baixe-o para ouvir posteriormente. Tirando algumas alfinetadas a outros jogos (sutis, mas presentes), é um programa NECESSÁRIO para compreender muitas questões em torno do CofD, bem como para entender o que provavelmente acontecerá nos próximos anos (alguém disse publicação no Brasil? hein, hein?!).
De forma bem simples, o CofD e, sobretudo os títulos mais recentes da linha, não se atém aos efeitos matemáticos das graduações, mas ao ajustes que suas escolhas e utilizações fazem ao fluxo narrativo. Efeitos (passivos, ativos) e outros recursos que servem a aumentar a dramaticidade da cena, conceder (ou retirar) o controle narrativo do personagem (o narrador pode “tomar a ficha do jogador e interpretar” em alguns casos) são exemplos destas “jogadas” que são cada vez mais recorrentes nos jogos (a segunda edição de Vampiro: o Réquiem e Beast: the Primordial deixam isto bem claro). Vou além, apesar de dar o exemplo “mecânico” com as graduações (bolinhas :/), tais elementos que acionam efeitos e que auxiliam a condução ficcional encontram-se dispersos em toda a ambientação dos jogos (como a questão da organização hierárquica das Krewes, as relações com outras entidades e os efeitos ficcionais de um personagem no submundo ou a própria relação Psyche-Plasma-Sinergy).
Esta espécie de xadrez narrativo interessante de analisar, torna o ato de jogar o CofD extremamente interessante, uma vez que as combinações de efeitos tornam-se um ato criativo, tanto na mente do narrador quanto dos personagens. Estas possibilidades desencadeiam “gatilhos narrativos”, que concedem maior ou menor margem de intervenção na realidade. Em outras palavras, a ficha de personagem deixa de ser um depósito de reservas com graduações para superar desafios, mas um repertório que poderá conceder distintas abordagens a uma cena.
Como afirmei, esta forma distinta de analisar os atributos e até de jogar (por meio de “jogadas que ativam gatilhos narrativos”) não é exclusividade do CofD. Porém, a forma pela qual os desenvolvedores da Onyx Path têm criado soluções interessantes possibilitam uma experiência mais intensa (e menos preocupada com gerenciamento de recursos e “níveis de poder”), sobretudo quando atrelada aos jogos específicos, é extremamente positiva. Vale a pena buscar compreender como isto se dá o que os efeitos narrativos proporcionam em suas mesas…
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ATO 3: A FLOR
O acionamento de efeitos narrativos e articulações descritivas, não puramente mecânicas, torna a experiência lúdica incrivelmente mais leve e, paradoxalmente, mais intensa. Saber os gatilhos que um Memento ou Death Masks [Máscaras Mortuárias, em tradução livre] podem desencadear ou compreender que a Manifestation: Oracle da Key Passion [Manifestação Oráculo da Chave Paixão, em tradução livre] em 1 graduação não é a “metade” da mesma Manifestação com 2 graduações abre um leque de possibilidades para o jogador intervir na realidade ficcional por meio do acionamento de gatilhos narrativos. Em outros termos, quanto mais o jogador está conectado com cenário e com sua personagem, mais compreende a margem de intervenção narrativa que possui e age com mais fluidez. E sim, isso é algo profundamente simples de entender, e incrivelmente funcional. A expressão se perde um pouco em português, mas a expressão mais próxima seria “essas jogadas que fazem o jogo fluir”.
E isso pode parecer algo meio estranho ou bobo, mas entendendo os conceitos por detrás do design (que estão sendo intensificados, como falei acima), vamos chegar a uma nova abordagem ao criar um personagem, ao interpretá-lo, ao fazer o jogo fluir. Digo isso pois o que estará em jogo não será exatamente a superação de conflitos (algo que o primeiro livro base do CofD 1e já apontava), mas a experiência de intervir na realidade ficcional por meio da interpretação de sua personagem. Sim, isso já era a meta de design da primeira edição do CofD e a segunda edição caminha a passos mais largos ainda nesta direção, o que considero bastante positivo, sobretudo ao lembrarmos que tratam-se de “jogos narrativos”.
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EPÍLOGO: UMA QUESTÃO DE PRINCÍPIOS
Nossa, texto gigante. Texto gigante em uma contribuição de um visitante no blog. Pra quê ou por quê isso? Bem, porque estou narrando em uma mesa que teve 7 jogadores. Dos 7, nenhum tinha jogado o CofD. Nenhum. Três jogadores nunca tinham jogado RPG. Quatro eram bastante experientes até. Ao invés de efetuar comparações com outros jogos, ao invés de fazer associações com o MdT (que já conheciam), em uma sessão prévia, com prólogos, criação de Krewe e personagens, dei informações sobre o cenário, sobre o jogo e sobre estes elementos que não são diretamente mecânicos acima elencados. Houve uma grande, grande imersão desde a criação de personagens. Os “combos” tornaram-se “combos narrativos” e não “super-poderes”. E estes “combos narrativos” revelaram personagens quebrados, com problemas, e com grande profundidade.
E isto virou uma campanha. Uma campanha com 3 jogadores que nunca tinham jogado RPG. E ainda por cima, todos não acharam difícil compreender os elementos apresentados. Por isto, encerro o texto de forma instigante: apresentar elementos atraentes e diferenciais dos jogos a novos jogadores é uma questão de princípios, afinal, é um jogo novo que inicia, que se principia. É necessário um começo claro, atraente, interessante. E começar apresentando estes elementos narrativos foi algo extremamente positivo para todos que estão na Krewe “O Elo das Almas”. Espero que tais pontos sejam úteis aos demais entusiastas do CofD.
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Glossário
Deathmask – Um memento que serve de ligação entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos.
Key – É uma face das Manifestations. Por exemplo: a Key “Passion” costuma lidar com as emoções enquanto que a “Pyre Flame” mexe com o Fogo.
Krewe – Grupo de devoradores de pecados que pode obter vantagens no Submundo.
Manifestation – Os poderes dos devoradores de pecados que podem ser alterado pelas Keys. Por exemplo: “Shroud” costuma ser uma Manifestation de proteção que, quando combinada com a Pyre Flame Key garante proteção contra fogo e calor, por exemplo.
Memento – Um item ligado à morte que pode conceder poderes a um devorador de pecados.
Plasma – O “combustível sobrenatural” do devorador de pecados (Uma comparação seria a Vitae dos vampiros ou o Mana dos magos)
Psyche – O medidor de quão poderoso o devorador de pecados é.
Sinergy – A medida de quanto o devorador está “em sintonia” com seu geist.
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Jorge dos Santos Valpaços é um jogador como qualquer um. Ele interpreta o papel “Professor” no Lampião Game Studio. Jorge também possui um blog pessoal no qual expõe ideias, contos e reflexões, fazendo um convite simples: Pare e Pense.
prolixidade.