Boa noites criaturas! Quem escreve é Bruno Venâncio, e talvez você se lembre de mim por ser o editor dos nossos podcasts, o Darkcast e o Botequim das Trevas, porém hoje venho estrear uma coluna aqui no site, a “Condição: Inspirado”.
Percebi que não é muito fácil encontrar crônicas prontas para nosso amado CofD, daí surgiu a ideia dessa coluna, contar um pequeno conto e depois criar uma crônica baseada nele. Porém diferente do que se costuma ver por ai, isso não é uma aventura pronta, mas sim uma base, a fundação do que pode ser tua próxima crônica, a ideia aqui é acender a faísca que irá queimar tua criatividade (e vontade de jogar!) para que você e seus amigos criem algo com a cara de vocês, e para ajudar nisso sempre trarei dicas, exemplos, sistemas e até fichas de personagens ou criaturas. Nessa primeira postagem, trago o conto: A porta aberta.
5º dia das minhas férias
Porra, qual a dificuldade de fechar e trancar uma porta? Eu nunca pensei que sentiria isso, mas morando nessa republica com essas pessoas, eu até sinto saudades da faculdade. A Carol não sabe o significado da palavra arrumação, jogando suas coisas para lá e para cá. O Thomas trocou a água por cerveja e não sei quanto tempo ele ainda tem de vida, vivendo em um constante estado de embriaguez. E tem a Jéssica, que é a única que me ajuda a tentar deixar esse lugar um pouco mais limpo, que apesar de não morar conosco, não sai daqui. Acho que qualquer dia desses peço para ela ajudar no aluguel. Não é como se eu não gostasse do pessoal aqui, mas um pouco de visão global e semancol melhoria o clima para todos nós, principalmente agora com essa onda de assaltos que andam ocorrendo nas casas da região. Apesar de tudo, são ótimas pessoas, até que respeitam minha privacidade e dá até pra trazer um boy pra cá de vem em quando, quando a casa está minimamente apresentável.
8º dia
Carol – Gente, vocês viram meu secador de cabelos? Estou procurando há dias e não acho!
Jéssica – Já procurou na eterna pilha de roupas no teu quarto?
Carol – Sim! Pior que já revirei tudo lá três vezes!
Thomas – Falando em roupas… Onde tu arranja tanto dinheiro? Só vejo aquela pilha aumentando e eu nunca vi tu lavando uma roupa, mas está sempre vestida, logo tu deve comprar não? (Risada de bêbado em seguida).
Carol – Minhas roupas são como tuas cervejas, nunca falta. Sempre disponíveis.
Eu – Que tal conversamos sobre algo mais importante como FECHAR A PORRA DA PORTA DE TRÁS!!! Caralho desde que saí de férias SEMPRE pego ela entre aberta. Vocês não se importam mesmo de ter nosso pequeno muquifo assaltado não?
Thomas – Ué? Nós temos uma porta de trás? (Todos riem) …
11º dia
Eu acho que fomos vítimas de um assalto. Como sempre a porta de trás vivendo aberta, não era de se esperar que ainda não encontramos o secador da Carol. Depois da arrumação em que eu obriguei todos a ajudar, o Thomas constatou que alguns de seus jogos sumiram. O mais bizarro é que onde mais está faltando coisas é na cozinha. Fizemos compras no início do mês mas algumas coisas que nem chegamos a usar simplesmente desapareceu. É mole? Ou será que eles já comeram e não querem admitir?
12º dia
Eu – Thomas, será que tu poderia tentar fazer menos barulho quando voltar da gandaia de madrugada? Acordei no meio da madrugada com você mexendo na geladeira, como tu consegue viver assim?
Thomas (com um olhar incrédulo) – Cara, eu não sai ontem à noite.
Eu – Como não? A porta de trás mais um vez dormiu aberta! Não é à toa que fomos assaltados.
Thomas – Eu até admito o problema com a bebida, mas não sou de esquecer o que eu faço não meu chapa, principalmente quando o assunto é diversão!
Fomos então até a porta de trás. Ela dá para a parte de trás das casas da vizinhança, onde ficam as grandes caçambas de lixo com tampa e a rua deserta que usam de retorno para a rua principal. Isso à noite é realmente um cenário assustador. Verificamos a porta e ela parecia perfeitamente funcional, mesmo com a fechadura de banheiro que não tem chave, trancava a porta normalmente.
15º dia
Estou realmente preocupado. Hoje não ficou ninguém em casa e quando eu voltei à noite, minhas coisas estavam bagunças e a maldita porta de trás mais uma vez aberta! E como desgraça pouca é bobagem, conversando com os vizinhos, descobrimos que eles também tem notado os furtos. Todos decidimos fazer um boletim de ocorrência, apesar de praticamente nada de valor ter sido roubado e a grande maioria dos furtos ter envolvido comida. Amanhã no primeiro horário vou ligar para um chaveiro e trocar essa fechadura.
20º dia – 03:47 da madrugada
Carol – (Cochichando no escuro) Cara, eu acho que tem alguém tentando entrar pela porta de trás, acordei com uns barulhos estranhos, vamos lá ver.
Lentamente eu me levando com a luz fraca da tela do celular tentando achar algo pra ajudar nessa hora, mas nada encontro. Realmente dá pra ouvir alguém mexendo na porta, apesar do ronco alto do Thomas. Silenciosamente vamos até a cozinha, ainda tudo escuro.
Eu – (Cochichando) Fica aqui de olho na porta que vou pegar uma faca.
Carol – (Cochichando) Pelo amor de Deus, não me deixa sozinha!
Eu – (Cochichando) Relaxa, já volto.
A cozinha é ao lado do corredor e da porta, logo encontro um boa faca. De repente os sons param e a porta começa a abrir! Rapidamente acendi a luz assim que escutei o grito da Carol. Corri pra porta e quando a abri, não consigo ver nada além da escuridão das casas e as caçambas de lixo. Me assusto mais uma vez quando percebo que uma dessas caçambas estava aberta e subitamente fecha. Fecho a porta logo em seguida, travo a porta com uma cadeira na maçaneta e procuro a Carol enquanto ligo para a polícia.
Carol – Meu Deus que susto!
Eu – Você está bem?
Carol – Sim, só me assustei.
Thomas – Porra, o que que é isso?
Eu – Tu viu alguma coisa?
Carol – Não, estava muito escuro…
Passamos o resto da madrugada respondendo às perguntas dos policiais. Todas as caçambas foram verificadas mas não encontraram ninguém. Obviamente quem quer que tenha tentado entrar deu no pé rapidinho. O mais bizarro é que em uma das caçambas encontraram algumas coisas que foram roubadas da vizinhança, incluindo o secador de cabelos da Carol.
23º dia
Da pra sentir o medo das pessoas depois do que aconteceu aqui em casa. Fechaduras estão sendo trocadas e reforçadas e luzes com sensor de movimento estão sendo instaladas em algumas casas. Estamos nos organizando para contratar um segurança particular. A Carol ficou tão assustada que resolveu dormir na casa da namorada nesse final de semana, mesmo com o patrulhamento da polícia ter intensificado. Comprei um taco de beisebol. Decidimos não sair mais sozinhos à noite, ao menos por alguns dias.
24º dia
Que férias malditas, devia ter seguido com meus planos de ter viajado para algum lugar. Está difícil dormir, acordo com qualquer barulho, e ainda existem relatos de tentativas de arrombamento, mas o pior aconteceu ontem de madrugada. Acordei com gritos do que parecia dois gatos brigando. Hoje de manhã vejo as manchas de sangue no chão próximo às caçambas. Os gatos da Soraia e da Patrícia sumiram, talvez seja sangue deles. Quem faria isso?
25º dia, noite
Thomas – Cara, eu não vou ficar sitiado na minha própria casa! Eu acho que tu deveria curtir comigo essa noite, tu anda muito paranoico, tem que curtir um pouco, se divertir velho!
Eu – Adoraria, mas já tenho programa para essa noite.
Thomas – Netflix com a Jéssica?
Eu – Talvez, se ela demorar um pouco mais pra sair de casa vou pedir para ela não vir.
Thomas – Meu deus, tu sozinho nessa casa, nesse estado… Tem cerveja na geladeira viu? Vê se não bebe tudo. Beijos.
Eu – Tome cuidado.
Madrugada. Acordo com a certeza de ter ouvido um barulho. Pego meu taco de beisebol e acendo a luz. Dormi assistindo um filme. Passou das 4 da manhã.
Eu – THOMAS É VOCÊ? (Grito)
Mais um barulho de coisas caindo no chão e passos pesados. Travo na hora, mas sigo lentamente acendendo as luzes dos cômodos que passo.
Eu – THOMAS É VOCÊ? THOMAS! (Continuo gritando).
Encontro uma bagunça na cozinha, a geladeira está aberta e as coisas jogadas no chão. A porta de trás entreaberta. Sinto um peso enorme nas pernas mas me forço a seguir até a porta. Abro a porta lentamente. Apesar de terem melhorado a iluminação da rua, minha casa ficou exatamente num ponto escuro entre dois postes de iluminação. Que ótimo, a porra da caçamba de lixo a minha frente está aberta. Sigo lentamente olhando para todos os lados. Silêncio absoluto. Já próximo da caçamba a tampa cai e a fecha. Continuo lentamente mas paro ao sentir meus pés molhados. Que merda é essa? Vou até a frente da caçamba, consigo ver com a péssima iluminação que meus pés estão sujos de sangue! Também posso ver sangue por volta da caçamba. Com o taco em uma mão, abro a caçamba com a outra, mas não tem nada. Nem lixo, nem sangue. Nada. Não consigo ver absolutamente nada dentro da caçamba, nem mesmo o fundo dela. Forço a vista segurando o taco firme nas mãos. Olho para a escuridão e tenho certeza que algo olhou de volta pra mim.
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Curtiu? Então se liga nessas dicas para narrar uma crônica como essa, lembrando que a ideia não é seguir isso à risca, mas adaptar conforme o que o narrador e os jogadores desejam da crônica em si. Use tua criatividade.
Cenário sugerido: Chronicles of Darkness (1ª ou 2ª edição).
A ideia: Estranhos acontecimentos com os personagens/vizinhança. Conforme os personagens vão se munindo de recursos contra esses incidentes, eles vão ficando mais graves e violentos.
O(s) Lugar(es): Um bairro residencial, um condomínio fechado, um prédio de apartamentos, uma escola, etc.
O clima: A ideia é que seja instalado um clima de mistério e paranoia. Ninguém sabe exatamente quem ou que está fazendo essas coisas, ao menos não enquanto isso não seja investigado de perto e a fundo. Evite descrições muito óbvias, principalmente quando envolver elementos para o avanço da crônica, mantendo assim o clima de mistério. A caçamba de lixo está aberta, a fraca iluminação amarelada dos postes não permite ver muita coisa, mas (com um teste de percepção) é possível notar umas manchas nela e ao redor dela. A rua está deserta, com sons de carros bem distante, todas as luzes das casas mais próximas estão apagadas, tu sente um clima frio. Isso é bem mais interessante que: Tu sai na rua, a caçamba de lixo está aberta e tem manchas de sangue nela.
Os jogadores: Seguindo o exemplo do conto, eles podem ser os moradores de uma república, ou vizinhos de casa/apartamento. Você pode ir além e dar mais liberdade aos jogadores permitindo não ter exatamente uma conexão direta com os fatos: talvez o jogador tenha um(a) namorado(a) que esteja sofrendo esses casos, talvez ele seja um porteiro recém contratado do condomínio ou prédio, ou ela seja uma amiga de um morador que foi atacado pela criatura, ou uma policial que está investigando o caso. Permitir que os jogadores criem suas próprias conexões pode trazer surpresas e elementos interessantes para a crônica.
O(s) problema(s): Seria um bandido? Um mendigo desesperado? Algum animal que adquiriu poderes sobrenaturais? Uma criatura sobrenatural? Conforme o avanço da crônica, dê dicas do que pode ser que os personagens estejam enfrentando com base nas pistas que eles encontrarem e desvendarem. Novamente, não poupe palavras nas descrições e evite ser óbvio, permita que os jogadores imaginem e especulem o que pode ser até de fato encontrarem a criatura. Um grande cachorro negro, com tufos de pelos faltando no corpo com feridas sangrando, te olhando com estranhos olhos num tom quase iluminado de violeta e mostrando seus dentes grandes e deformados é muito mais interessante do que apenas um cachorro deformado (ou possuído, ou zumbi, ou demoníaco).
Dê uma olhada na seção “Horrors” e “Dread Powers” do CofD 2ª edição para ver diversas dicas para criar tua criatura e poderes que podem estar ao dispor dela. Aqui vão alguns desses poderes que eu imaginei seguindo o exemplo do cachorro acima:
- Natural Weapons (1 a 3) – Presas e garras proeminentes. Descrição na página 147 do livro (segunda edição).
- Influence (1 a 5) – Descrição na página 145 do livro (segunda edição), nesse caso, usado especificamente para abrir e fechas as portas e tampas do conto sem necessariamente interagir fisicamente com elas.
- Ocultação (3) – Um teste bem sucedido de Destreza (Dexterity) + Dissimulação (Stealth) permite que o número de sucessos seja convertido em penalidade a quem quer que esteja procurando ou tentando interagir com você. Atacar revela tua posição imediatamente. Com um êxito excepcional, você fica completamente invisível no escuro para qualquer pessoa que não tenha te visto anteriormente. Em caso de combate, as criaturas são tratadas como surpresas. Iluminação direta cancela esse efeito e será necessário uma nova rolagem caso queira permanecer oculto.
Por fim, nivele os poderes da criatura conforme os recursos dos personagens e adicione alguma(s) fraqueza(s) na criatura, como por exemplo, não suportar ser iluminado a ponto de tomar dano ou querer fugir. Use tua criatividade, a não ser que de fato você queira que o objetivo seja fugir e não enfrentar a criatura.
O(a) narrador(a): Seja lá qual for a criatura que irá causar os problemas, como os citados acima, você vai precisar ajudar os jogadores a lidar com eles. Usando o exemplo do problema acima, considere que toda vez que o tal cachorro possuído tiver feito algo (quer ele tenha tido sucesso ou não), algum vestígio da sua presença ou ataque será deixado para trás. É aí que o sistema de investigação da 2ª edição de CofD entra em cena: ele pode ter comido um pedaço de algum alimento que deixou claro que não foi a mordida de uma pessoa que arrancou aquele pedaço (Raciocino + Sobrevivência na cozinha) e/ou ter assustado ou machucado algum animal da vizinhança (Manipulação + Trato c/ animais em algum animal). As pessoas também podem ajudar, como as vizinhas com os gatos mortos (Presença ou Manipulação + Socialização para chegar ao assunto dos gatos), ou o vizinho que conseguiu gravar uma invasão à noite (Manipulação + Persuasão para conseguir ver as cenas). Você também pode adicionar contratempos, como um vizinho molhar a grama que continha pegadas com manchas estranhas, uma vizinha não querer falar da morte do gato ou um jogador não conseguir permanecer acordado à noite enquanto observava a rua (teste de Vigor para não cair no sono). Capaz que a maioria desses contratempos sejam o resultado de uma falha em algum teste, mas vá além e use o novo sistema de “portas” do CofD para que os jogadores precisem passar por algumas dessas portas para conseguir tal objetivo com determinada pessoa. Use o sistema a seu favor, aproveite a mecânica de “Manobras Sociais” [social maneuvering].
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Por último, é sempre útil organizar as cenas da crônica, segue um exemplo abaixo:
Cena 1 – Início da Crônica: Os jogadores seguem suas vidas normalmente, ouvindo rumores de assaltos e coisas estranhas na vizinhança.
Cena 2 – Problemas muito perto, os acontecimentos acontecem com vizinhos ou mesmo um ou mais jogadores presenciam um deles. Questionamentos (e possivelmente prevenções) começam a ser tomados.
Cena 3 – O mal chegou: Os acontecimentos chegam na casa dos jogadores ou acontecem com alguém próximo. Eles continuam acontecendo se não for tomada nenhuma medida, ou tornam-se mais dispersos (porém mais graves) conforme vão se tomando precauções.
Cena 3.1 – Os jogadores investigam os acontecimentos, e colhem pistas sobre eles.
Cena 3.2 – Com um mínimo de pistas, eles podem tentar determinar a causa dos problemas.
Cena 4 – O covil do mal: Se eles tiveram sucesso na cena anterior, eles podem ter descoberto onde fica a criatura ou, ao menos, o que fazer para descobrir. A Criatura vive nos esgotos da vizinhança, a entrada é escondida por uma caçamba de lixo. Caso eles não tenham tido êxito anteriormente, eles podem procurar e seguir novas pistas ou cair sem querer (e sem recursos) perigosamente no caminho do covil da criatura.
Cena 5 – O Confronto: Eles vão enfrentar a criatura? Vão chamar o Controle de Animais? Essa é a parte final que os jogadores vão determinar como vão resolver (ou não) o problema.
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