Olá, aqui é Bruno Venâncio para mais uma postagem para o blog Cronistas das Trevas, e hoje venho falar de algo que muito me interessa ao jogar RPG: improvisação. Como mestre de jogo/Narrador, muitas vezes passamos bastante ou pelo menos um bom tempo planejando a sessão de jogo e, conforme as sessões de jogo, acabamos aprendendo a “nos virar” com uma decisão do grupo ou de um jogador. Porém, a arte do improviso é levar esse “se virar” à próxima esfera (sacou? Hahaha) e manter a história acontecendo independente de você ter planejado ou não e, às vezes, de forma proposital.
Não quero com essa postagem ditar regras ou métodos para tal, muito menos usarei técnicas famosas ou truques. Apesar de tudo que direi aqui ter sido testado por mim, isso é apenas minha experiência, que fui adquirindo em minhas mesas de jogo. Para mim sempre foi um tanto difícil reunir uma galera fixa e jogar uma crônica longa, então one-shots são quase uma constante na minha vida e, com o passar do tempo, foi ficando cada vez mais chato ter que ficar planejando detalhes de uma mesa que por vezes aconteceria por apenas uma única sessão. A partir daí fui me permitindo ser preguiçoso mais flexível e passei a testar algumas ideias conforme elas surgiam. Atualmente, possuo um esquema quando quero narrar algo rápido ou para um evento, já é automático para mim.
Com essa postagem reúno essas ideias e “técnicas” para ajudar você que esteja querendo improvisar mais ou apenas esteja passando por um perrengue com aquele jogador difícil. Como se trata de um assunto um tanto complexo ou extenso, vou dividi-lo em duas ou mais postagens para que a questão seja digerida, e nessa postagem vou falar sobre o que eu considero como os requisitos mínimos para começar a improvisar na tua mesa.
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Conheça as regras de cabo a rabo
Da mesma maneira que improvisar em um instrumento musical requer domínio e conhecimento do mesmo, improvisar no RPG requer no mínimo que você esteja bastante confortável com o sistema de regras. Ser um advogado(a) de regras é bom, mas ser o(a) professor(a) do advogado(a) de regras é melhor ainda (mas não seja um(a) mala por favor!). O CofD atualmente é majoritariamente feito de regras simples com alguns sistemas mais complexos mas, se você está conhecendo o sistema/cenário agora, alguns conceitos podem parecer um pouco mais estranhos. A dica que lhe dou é: leia e execute, leia e execute. É mais fácil fixar o sistema na cabeça quando você de fato utiliza ele. Digo isso pois normalmente acabamos utilizando uma pequena parte do sistema e usando outras regras para ocasiões mais raras e especificas. Faça mesas de testes com seus amigos na qual será necessário o uso de regras especificas. Você verá que será bem mais eficiente do que ler o livro três ou quatro vezes. Aproveite também para obter a interpretação dos(as) jogadores(as) sobre elas (as regras) e tire suas dúvidas com outros(as) narradores(as) também.
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Tenha referências!
Ok, você manja de todo o sistema de regras básicas até as mecânicas mais obscuras, mas você vai precisar de um enredo. Uma história precisa estar ali para ser contada. Se você leu o sistema cinquenta vezes para decorar as regras, com certeza encontrou mais do que algumas dicas ou exemplos de enredo para uma mesa de jogo, mas muito provavelmente isso é só um início, apenas um recorte de uma história. Você precisa poder fazer com que esse recorte se expanda, que leve a outro lugar. Literatura, cinema, séries de televisão, teatro e até mesmo a música podem lhe dar ótimas referências para uma história ou um ponto especifico de uma história. Quer narrar uma mesa sobre vampiros? Você vai ter diversas fontes ao seu dispor. Londres vitoriana sobrenatural? A mesma coisa. Consuma o máximo possível de mídias, possivelmente você já deve fazer isso no seu dia-a-dia, mas também não se esqueça de levar em consideração a história que os seus jogadores querem participar e obtenha referências deles(as) também. Essa troca é maravilhosa e pode gerar ideias sensacionais. Assim, quando os jogadores solucionarem um problema, você já deve ter uma ou mais ideias de aonde levar eles(as) adiante.
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Não crie rotas. Crie pontos (destinos).
Existe um termo em jogos de FPS* que se chama “Tunnel Vision”, que se trata em prestar atenção apenas onde a mira da sua arma está apontando ou onde a ação está acontecendo e esquecer/ignorar os seus arredores e as informações que o jogo está te passando, o que quase sempre leva à sua derrota. Quando temos uma história na mente, é comum desenvolvermos ela de forma linear, é por isso que muitos narradores acabam ficando confusos e sem saber o que fazer quando os jogadores decidem fazer algo que foge disso.
Quando você cria uma rota e os jogadores saem dela, ou você vai querer fazer com que eles voltem ou vai ter que traçar outra rota. A primeira é chata e a segunda é muito trabalhosa. Pense em pontos, ou destinos e não em caminhos, deixe isso com os jogadores. Tenha um ponto final (objetivo final) e um ponto de partida (que é o início da história), ao desenrolar da história novos pontos iram aparecer até vocês alcançarem o ponto final.
Por exemplo: um artefato foi roubado de um museu, nessa história “recuperar o artefato” é o ponto final, enquanto “investigar a cena do crime” poderia ser um ponto de partida. Os jogadores então podem criar novos pontos como “conversar com a administração do museu” ou “pesquisar sobre o artefato” por exemplo e, com a solução desses problemas, você dará a eles o que eles precisam para criar novos pontos, se aproximando então do final. Não se prenda em como os jogadores farão tal coisa (novamente, esse é um trabalho deles que, claro, você pode ajudar quando eles precisarem e quando não for óbvio), mas sim no que vai acontecer quando eles fizerem tal coisa. As aspirações dos personagens podem e devem ser usadas para criar novos pontos e variar um pouco a história, evitando com que ela fique apenas focada no objetivo final.
* First Person Shooter. Jogos de tiro em primeira pessoa como Battlefield, Call of Duty, Counter-strike, etc.
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Preste atenção ao ritmo do jogo.
Existem diversos momentos na mesa de jogo como ação, exploração e interação, e cada um deles possuem seu próprio ritmo. Combates costumam ter um ritmo acelerado e frenético, explorações costumam ser mais lentas e descritivas, enquanto interações sociais costumam ter um ritmo bem variado. Obviamente, isso varia de narrador para narrador, de mesa para mesa, e não existe uma regra para isso, mas é importante detectar a quantas anda o ritmo atual da mesa para saber qual o melhor ponto a adicionar na história ou mesmo como proceder em um determinado ponto. Preste atenção à reação dos jogadores com os elementos que estão presentes na mesa e use esse feedback para mudar o que julgar necessário. Se os jogadores estiverem dispersos possivelmente a mesa está monótona e, se eles estiverem confusos, possivelmente as coisas estão muito rápidas. A forma como você passa as informações aos jogadores(as) e mesmo o que eles(as) mais gostam em uma mesa de jogo podem influenciar isso. Um(a) jogador(a) que gosta de porradaria pode não se interessar muito em interações sociais e vice-versa. Tente manter um ritmo variado e experimente outras coisas, como uma perseguição em um ritmo mais desacelerado (não lento, mas não rápido) ou combates com interações sociais, por exemplo. Isso pode criar cenas bem incomuns e engraçadas ou mesmo memoráveis. Nem sempre dá para acertar na dose, mas a pratica leva à perfeição. A ideia é se divertir, não é mesmo?
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Largue o osso!
A última dica que tenho é que: Largue o osso. Uma mesa é formada por diversos jogadores e o narrador não deve ser o único a contar a história. Sim, pode soar contraditório pois o papel do narrador é contar a história, mas os jogadores podem e devem contribuir com ela com mais do que apenas com seus papéis enquanto personagens. Isso pode acontecer de várias formas: você pode pedir ideias ou sugestões dos jogadores ao final ou início de cada sessão, pedir para um(a) jogador(a) narrar uma cena que tenha a ver com seu personagem ou antecedente (aspirações, lembra?), ou mesmo permitir que outros jogadores sejam os narradores(as) em cenas ou momentos específicos. Essa última ideia costuma funcionar muito bem quando um ou mais jogadores não puderem comparecer, assim vocês podem contar uma história paralela ou acontecimentos que desencadearam o que está se passando na mesa, ou até mesmo narrar o lado dos antagonistas das história, caso tu seja ousado o suficiente. Esse pode ser o passo mais difícil para alguns narradores que acreditam que é seu dever contar a história. Não julgo, pois alguns jogadores(as) podem ser bem imaginativos(as). O segredo então é saber o que permitir, afinal de contas, a palavra final ainda é tua. O bom de fazer isso é que, além da história poder tomar rumos inusitados e interessantes, você pode focar em outras questões, como o uso das regras, andamento da história (ou histórias) e dividir o trabalho com a equipe.
Espero que tenham gostado dessa primeira postagem sobre improvisação e, na próxima postagem (ou postagens), vou mais a fundo em cada um desses tópicos. Comentários, sugestões e críticas (construtivas) são sempre bem-vindas e podem ser feitas aqui no blog ou na nossa página no facebook.
Até a próxima e bom jogo. 😉