Eu não gosto de introduções longas, mas nesse caso não vejo como evitar.
As nossas discussões no blog tem a tendência de se darem em torno de aspectos que ocorrem depois do início do jogo. Nós sempre partimos do princípio que nossos leitores já conhecem o jogo. Não é exatamente uma premissa errada, mas considerando que no Brasil o último livro de Chronicle of Darkness foi lançado há meia década atrás, não necessariamente essa premissa continua a representar a realidade dos nosso público depois de tanto tempo.
Então vamos começar do início: construção de personagem.
Primeiro, qualquer pessoa tentando fazer um personagem em Chronicle of Darkness deve olhar a sessão de criação de personagem (Character Creation) presente em todo livro básico do jogo. Este artigo partirá do princípio que você está nos acompanhando nessa parte do livro. Mesmo que você não compreenda facilmente o inglês, tente abrir o livro e usar um tradutor online. Foi assim que eu comecei a narrar CofD.
Segundo, eu usarei como base o modelo de criação dos livros da segunda edição como guia. Se você está num jogo que usa as regras da primeira edição, não se preocupe, boa parte das dicas aqui são aproveitáveis pra todas as edições do jogo e mesmo pra outros jogos de RPG.
Terceiro, no momento existem pelo menos 7 livros básicos com modelos de criação de ficha, alguns suplementos que complementam e mais livros a caminho. Eu vou utilizar o livro Chronicles of Darkness Core. A criação do personagem humano é fundamental em quase todas as linhas de CofD, logo escolhi o livro básico que aborda apenas humanos. Pode ser que no futuro eu aborde a criação de personagens em outros modelos sobrenaturais, nesse caso esse artigo será linkado e utilizado como fonte base.
“Os Jogadores são responsáveis por…
… criar personagens únicos como membros do elenco de jogo.
… decidir as ações dos seus personagens
… tomar decisões que criem drama/conflito e auxiliar a condução da história.
… evidenciar as qualidades e defeitos dos seus personagens.
… confrontar os problemas que o Narrador apresenta.
… desenvolver a personalidade e as habilidades dos seus personagens ao longo do tempo, e contar histórias individuais dentro da história do jogo.”
Chronicle of Darkness Core, página 18. [Tradução Nossa]
Então, vamos começar. Antes da primeira sessão de jogo, com a permissão do Narrador mesmo depois do primeiro jogo, nada no personagem está escrito em pedra, tudo pode e deve ser reexaminável com a possibilidade de mudanças.
Conceito
O livro sugere começar o personagem com um Conceito de Personagem (Character Concept), página 24. Basicamente, um resumo em poucas palavras de quem é o seu personagem no mundo, idealmente não mais que uma frase. Se você cria personagens dessa forma, perfeito. Não é o meu caso e não é o caso de muitos colegas de jogo. Eis aqui o que alguns deles e eu fazemos.
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Pego um personagem de uma história de ficção ou real. Essa opção é particularmente interessante no caso de histórias criadas por escritores que estudam e desenvolvem seus personagens, apesar de não ser algo absolutamente necessário. Nessa opção é importante se lembrar que o personagem não se encontra no mundo nativo dele, logo, é interessante você determinar exatamente quais aspectos do personagem você quer manter. Quanto menos aspectos e quanto mais específico você for, melhor. Aqui você só está pegando uma ideia de base, não necessariamente copiando o personagem inteiro. Dentro dessa proposta também é possível escolher um nome próprio e usar tanto a história quanto o significado da palavra em questão como base para o conceito do personagem.
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Outra coisa que eu gosto de fazer é brincar uma algum elemento do jogo. Conforme você aprende mais sobre as mecânicas e cenário de um jogo sempre vem a frase “esse elemento parece ser muito divertido”. Logo, porque não criar um personagem ao redor desse elemento? Veja que nesse caso você terá de interpretar o produto final de ficha para descobrir quem é o personagem.
O livro recomenda se traçar três Aspirações (Aspirations) para o personagem, coisas que o jogador espera que o personagem faça ou que aconteçam com o personagem. Eu recomendo vincular uma dessas aspirações a um dos outros personagens jogadores e vincular outra aspiração a um elemento da trama que o Narrador apresentar como introdução a crônica.
Caso de estudo: Jéssica é uma investigadora particular, alcoólatra, dada a violência e com valores firmes. “Se envolver numa briga de bar”, “aceitar um novo caso” e “ter seus valores testados” são todas Aspirações válidas.
Âncoras
Próxima parte é o Vício (Vice) e Virtude (Virtue) do personagem, página 25. O jogo possui um recurso para aumentar paradas de dados em situações tensas, a Força de Vontade (Willpower). A principal forma de recuperar esse recurso é o Vício, uma atitude egoísta que visa recompensa imediata, e a Virtude, uma atitude altruísta que espera um fruto positivo no futuro, ambas põem o personagem em risco e aumentam o conflito.
Eu prefiro fazer essa parte por último, mas é interessante manter esses aspectos em vista ao longo da criação do personagem.
Caso de estudo: Jéssica é uma investigadora particular, alcoólatra, dada a violência e com valores firmes. Possivelmente um Vício relacionado a impulsividade e uma Virtude relacionada a cabeça dura dela, talvez “Pavio Curto” e “Fortaleza” respectivamente.
Atributos
O CofD possui nove Atributos (Attributes), página 25, distribuídos em três colunas, mental, físico e social. O que o livro não deixa claro é que cada linha possui a mesma função dentro de cada conceito. Isto é, Inteligência (Intelligence), Força (Strength) e Presença (Presence) representam os Atributos de Poder dentro dos campos Mental, Físico e Social respectivamente. A segunda linha apresenta os Refinamentos e a terceira são as Resistências. Isso te dá uma ideia de qual Atributo utilizar em cada rolagem, você está resistindo a algo que envolve o seu corpo, provavelmente usará o Atributo físico de Resistência, por outro lado se você deseja convencer o Leão de chácara a deixar você passar, pois você é amigo do dono, o atributo de refinamento social é o mais indicado.
É vital para o desenrolar do jogo que você saiba quais são e onde estão os seus atributos. Você não precisa saber os valores deles de cabeça mas você precisa saber o que eles significam e onde eles estão na ficha.
Você precisa agora priorizar as colunas de atributos conforme o conceito do seu personagem, indicando quais os seus Atributos Primários, quais os Secundários e, por fim, os Terciários. O primeiro ponto em cada Atributo vem com a ficha, pois representam o mínimo de um Humano em um atributo. Daí vc tem cinco pontos para distribuir na coluna primária, quatro na secundária e três na terciária.
De cara eu sugiro você escolher um Atributo Mental, um Social e um Físico para refletir o Conceito de Personagem. Eu gosto de personagens com valores bem diferenciados, ou seja pontos fortes e pontos fracos bem claros. Logo, eu costumo por 3 pontos num atributo da coluna primária que reflita o Conceito de Personagem e 2 nos atributos das colunas secundária e terciária que refletem o personagem. Isso te dá 4 e 3 níveis com cada um dos atributos fundamentais do teu personagem, respectivamente, garantindo uma rolagem decente em qualquer coisa que o personagem tenha algum treinamento. Mas é claro, tem gente que prefere personagens mais equilibrados e isso não é um problema em si.
Caso de estudo: Escolho os físicos como atributos primários. isso me permitirá atribuir alguma ameaça a impulsividade da personagem. Ponho três pontos em Força e mais dois em Vigor (Stamina). Destreza (Dexterity) apenas no nível básico me parece interessante, pois ela não é um artista marcial ou alguém de meias medidas.
Força 4, Destreza 1, Vigor 3
Eu decidi que os atributos mentais são fundamentais para a profissão da Jéssica. Em Raciocínio (Wits) eu ponho dois pontos. Isso me deixa dois pontos pros outros atributos mentais, eles vão pra Perseverança (Resolve) refletindo a irredutibilidade da personagem. Jéssica sempre teve dificuldade com instrução estruturada, ela não memoriza toneladas de fatos, preferindo usar métodos físicos para guardar informação como dossiês, fotos e afins.
Inteligência 1, Raciocínio 3, Perseverança 3
Socais se tornam o terciário. A Jéssica precisa ser capaz de manipular e intimidar fontes, por outro lado chamar atenção e controle das próprias emoções não são necessários. Logo eu escolho por dois pontos em Manipulação (Manipulation) e ponho o último ponto como troco em Autocontrole (Composure).
Presença 1, Manipulação 3, Autocontrole 2
Veja que eu escolhi a profissão e o temperamento da Jéssica como marcas da personagem. Outra opção seria eu ter escolhido os valores e o alcoolismo dela como fundamentos pros atributos da personagem.
Habilidades
Agora você distribui os pontos de Habilidade (Skill), página 26. As Habilidades também estão distribuídas em colunas: Mentais, Físicas, Sociais. Nem sempre você rola Habilidades e Atributos de uma mesma categoria. Você também terá um esquema similar de pontuação pra cá, tendo que priorizar as colunas em Habilidades Primárias, Secundárias e Terciárias.
Aqui é talvez a parte mais complicada pra jogadores iniciantes. São muitos pontos e são muitas opções.
Importante: a ausência de pontuação numa área não é ausência de instrução nela. Mesmo sem nenhum nível em Direção (Drive) a personagem é capaz de dirigir, ou mesmo sem nenhum ponto em Erudição (Academics) o personagem sabe ler e pode ter cursado a faculdade. A pontuação reflete o que o seu personagem internalizou e é capaz de recorrer em situações de tensão.
Minhas recomendações são que você pense no Conceito de Personagem. Veja qual das colunas tem, pelo menos, três Habilidades fundamentais para o personagem. Esse é o seu grupo Primário. Agora olha as duas que sobraram e veja qual delas tem duas Habilidades fundamentais para o teu personagem. Esse é o seu grupo Secundário. O Terciário é o que sobra. Sempre tente manter essas perícias com maiores níveis em comparação com as outras perícias da ficha.
Outro elemento importante é você olhar as mecânicas de jogo. O CofD tem mecânicas para resolução de perseguições, investigações, manobras sociais e combates, mais uma mecânica de assistência para equipamentos. Olhe as suas Habilidades e veja como elas funcionam em cada uma dessas mecânicas ou pelo menos nas mecânicas que você acha que o seu personagem vai usar mais. Isso vai te auxiliar a se sentir mais confortável e no controle do seu personagem. Essas mecânicas se encontram no capítulo Infernal Engines, página 68.
Caso de estudo: Eu escolho Persuasão (Persuasion), Intimidação (Intimidation) e Astúcia (Subterfuge) como Habilidades fundamentais para a Jéssica, logo escolho as Habilidades Sociais como Primárias. Furto (Larceny) para entrar em lugares que ela não devia e Briga (Brawl) pra bancar a fúria da Jéssica me parecem fundamentais, logo as Habilidades físicas são as secundárias. Por fim eu escolho a Investigação (Investigation) pra ser o foco das minhas mentais.
Veja que eu ainda tenho espaço pra adicionar outras perícias que complementem a personagem: Dissimulação (Stealth), Manha (Streetwise) e Erudição são todas boas opções para a personagem, mas elas são complementares às perícias acima.
Terminaremos a ficha num segundo artigo abordando:
- Especializações
- Vantagens
- Benfícios
5 Replies to “Obscuro Personagem (primeira parte)”