Em Mago: o Despertar você joga com um “desperto”, alguém que consegue enxergar os símbolos supernos e a Verdade que vai além do que a experiência no mundo material geralmente permite. Você sabe que Espaço não é distância física, você sabe que a Morte é apenas um processo de transição, você sabe que o Tempo futuro está em constante transformação.
Boa parte da sociedade desperta tem como objetivo permitir à humanidade que ela também seja capaz de enxergar essas Verdades supernas, isto é, despertar. No entanto, uma das Ordens trabalha justamente para que os seres humanos continuem adormecidos. Essa ordem é conhecida como os “Profetas do Trono Superno” – Seers of the Throne no original – e eles servem a mestres supernos, tidos pelos outros magos como os responsáveis pela intrusão do Abismo na realidade e, com isso, tanto a Mentira quanto a Quiescência. A eles é dado o nome de “Exarcas”.
Esse não é um artigo sobre a “história” dos exarcas. Esse artigo é sobre a influência deles sobre a realidade e também sobre as Mentiras que eles representam/perpetuam.
Quem São?
Não se sabe ao certo se os Exarcas são antigos magos que Ascenderam e, com isso, se transformaram em símbolos supernos ou se sempre foram assim. O que se pode afirmar é que eles existem e se fazem manifestar através de selos de ferro – runas na Língua Sublime – e sonhos que aparecem para seus fiéis seguidores. Quando apenas ordens e sonhos não bastam, eles enviam partes de si – Ochemata – para garantir que suas vontades sejam cumpridas.
Vale lembrar que, por serem Símbolos Supernos, os Exarcas não são “entidades físicas” e sim uma parte do “código da realidade”. Eles são blocos fundamentais de como a realidade funciona, tanto quanto os outros símbolos supernos que os despertos enxergam quando ativam sua visão mágica.
No total há 10 (dez) Exarcas, 10 símbolos de opressão que abarcam inúmeras ideias e práticas, cada um associado a uma das Arcana. Quatro deles detêm o título de “Arquigenitor” conforme o poder e influência dos Ministérios – as subdivisões dos Profetas do Trono – comandados por eles, enquanto que os outros seis são tidos como “selos menores”. Assim, temos os seguintes Exarcas:
Unidade – O Exarca de Mente
O Exarca Unidade, como um de seus títulos diz, é o “Rei da Obediência”. Ele representa a negação da Individualidade, isto é, da diferença. Ele é o Exarca do “controle através da xenofobia” (MtAw 2e, p. 54), agindo através de unidades impessoais, como instituições e governos. É o Ultra-Nacionalismo na Europa do início do século XX e que tem ressurgido no presente ao redor do mundo.
Quando se diz “somos todos iguais” e isso serve para apagar as diferenças fora do Status Quo, é então quando a Unidade se faz presente.
O Arcanum Mente nos mostra que somos uma miríade de impulsos, desejos, identidades e emoções em constante disputa pelo controle. Assim, o Exarca de Mente é aquele que busca nos reduzir a uma identidade única, pasteurizada.
General – O Exarca de Forças
O General é a violência, não qualquer tipo de violência mas aquela cometida a sangue-frio, justificada pela “lei do mais forte”. General é a Exarca do “controle através da violência” (MtAw, p. 72), em direta oposição à filosofia da Seta Adamantina que enxerga o conflito como uma forma de se assegurar a justiça.
Forças é o Arcanum do movimento, a energia que faz a roda da vida girar. A Exarca de Forças, em contrapartida, representa o uso das Forças apenas como forma de subjugação.
Pai – O Exarca de Primórdio
O único Exarca que sempre se apresenta como masculino. O Pai é o Exarca do controle através de ordens e leis firmes, sendo o mais comum através da religião (SoS, p. 15). Ele é o símbolo do “grande patriarca”. O extremismo religioso e o zelo intolerante que enxergam apenas a doutrina e o medo da punição são suas principais expressões no mundo caído.
Primórdio, o Arcanum da Verdade Superna e da revelação de ilusões, tem no Pai seu oposto, isto é, o obscurantismo que a obediência cega pode gerar.
Olho – O Exarca de Espaço
A Exarca que visa o controle e autoridade através da vigilância e o fim da privacidade/intimidade. Por um lado, não é difícil de imaginar sua atuação no cotidiano, entre inúmeros casos de governos que espionam seus cidadãos a empresas que vendem dados de redes sociais para quem pagar mais. Por outro, temos ainda as Mentiras de que o Espaço é apenas a distância física e a ilusão de controle sobre todos os nossos relacionamentos – sejam eles amorosos ou não – que facilmente levam à erosão do que mais importa, a distância emocional – Simpática -.
Espaço é o Arcanum da conexão. Quanto mais controle e vigilância buscamos ter sobre algo, menos espaço há ali para a confiança, o diálogo e a conexão real. Assim, o Exarca vai se fortalecendo.
Chanceler – O Exarca de Matéria
Dentre os “selos menores”, essa Exarca é uma das que mais cresce em poder, haja vista que ela representa o aspecto mais agressivo do capitalismo, a comoditização de tudo (SoS, p. 15). Ou seja, tudo pode ser vendido, de pautas sociais a necessidades básicas como a água. O Capitalismo Tardio em que vivemos é talvez sua expressão mais clara.
O Arcanum Matéria ensina sobre a efemeridade das coisas e que, portanto, nada possui valor inerente. Para a Chanceler tudo tem um valor medido em capital.
Nemesis – O Exarca de Espírito
Nemesis representa o medo da ação de forças maiores e ocultas, sejam eles os “iluminati” ou o “governo nos controlando através de substâncias químicas na água”. É fácil colocar a culpa em conspirações ou em forças ocultas e ignorar as consequências dos próprios atos, tal qual o Dromo nos impede de ver diretamente o efeito que nossas ações e ressonância causam na Sombra.
Espírito é o Arcanum que ensina sobre as influências e as trocas entre o Reino Material e a Sombra, enquanto que o Nemesis reforça a separação em vez da coexistência entre esses dois reinos.
Profeta – O Exarca de Tempo
O Profeta simboliza uma visão do Tempo e da História que, até o começo do século XX era bastante comum, isto é, a de que a história é movida pelos esforços de “grandes figuras”. Líderes políticos, grandes generais, grandes pensadores… O homem comum é insignificante para o “progresso” e para os “grandes feitos”. Embora no meio acadêmico esse tipo de visão não seja mais a hegemônica, muitas pessoas ainda buscam uma figura heróica ou salvadora que vá resolver todos os problemas.
Por que votar? Por que brigar pelos nossos direitos? Por que nos manifestar? Esse tipo de questionamento mostra o quanto os símbolos do Profeta estão presentes no Mundo Caído.
O Arcanum Tempo nos mostra que o futuro não está escrito e que, justamente por isso, devemos todos nos esforçar para criá-lo da melhor forma. O Profeta, por outro lado, representa a mentira da impotência do indivíduo comum.
Psicopompo – O Exarca de Morte
O Exarca associado ao Arcanum Morte representa justamente o medo da morte. Além disso, seu escopo simbólico também cobre a ideia de que o pós-vida – seja ele qual for – é apenas para alguns poucos eleitos.
O Psicopompo incorpora o reverso do que o Arcanum Morte mostra aos despertos, isto é, que a Morte é apenas um estágio pelo qual todos passam, sem guardiões ou critérios.
Rapina* – O Exarca de Vida
Toda vez que alguém se refere a si mesmo como um “Alfa”** ou que defende “a lei da selva” entre os seres humanos, dividindo-os entre “predadores” e “presas”, essa pessoa está invocando e se referindo ao Exarca Raptor.
O Arcanum Vida mostra aos despertos a importância de todos os organismos vivos, nos mostra que como somos todos parte de um ecossistema maior e isso merece ser celebrado. O Exarca, por outro lado, reforça uma dualidade que é apenas uma pequena fração do todo que é o escopo do Arcanum.
* A palavra Raptor pode ser traduzida tanto como “ave de rapina” quanto como “raptor (isto é, aquele que rapta)”. Optei pelo substantivo “Rapina” como um meio termo entre as duas possíveis traduções, além de conservar o vocábulo único para o nome do Exarca.
** A noção de “lobo alfa” é baseada num estudo que já foi desbancado e, inclusive, o próprio autor do estudo já reconheceu seu erro nesse artigo aqui. Você também pode ler um resumo da coisa aqui.
Ruína – O Exarca de Sorte
Este Exarca representa e explora todos os momentos em que perdemos as esperanças e desistimos de decisões e escolhas. Afinal, do que adianta perseguir um sonho em um mundo cruel? Do que adianta tentar? É nesse cinismo, nessa entrega que a Ruína se mostra.
O Arcanum da Sorte, pelo contrário, mostra todas as possibilidades e caminhos que constantemente construímos através de nossas ações, o que a Ruína busca sufocar.
Portal – O Exarca do Abismo
Por fim, o Exarca ao qual é proibido toda forma de culto e reverência pelos Profetas do Trono, o Exarca que simboliza o Abismo e o Paradoxo. Apenas magos da Via Sinistra, sobretudo os Scelesti, tratam com ele, que pode ser encontrado na praia às margens do Oceano Ouroboros nos Reinos Astrais.
Como Utilizá-los?
Antes de mais nada: escolha qual Exarca você quer enfocar. Pense no tema da sua crônica ou do arco que está sendo desenvolvido e qual Exarca te ajuda a reforçar melhor os temas. Embora todos eles estejam interligados, escolha apenas 1 ou 2 para trabalhar e guiar suas cenas.
Mesmo que sua crônica não seja focada nos Profetas do Trono – os servos devotos dos Exarcas – é possível notar a presença desses símbolos de opressão em todas as instâncias da vida no Mundo Caído. Um Ochemata, isto é, um avatar dos Exarcas, pode ser um antagonista secreto de uma longa crônica. O livro Signs of Sorcery fornece uma série de recursos para se colocar em jogo a presença dos Exarcas sem, necessariamente, envolver os Profetas, de artefatos a grupos de pessoas que dividem a mesma alma.
Por outro lado, também podemos explorar as Ordens Atlantes e o Concílio Livre, que buscam atuar em constante oposição ao que os Exarcas representam. Numa trama de conflitos internos entre os magos do pentáculo há espaço para explorar os temas do General e de como até magos fora dos Profetas podem reforçar os símbolos da Mentira “sem querer”. Uma crônica em que a Escadaria de Prata e suas Criptopolias possuem destaque, os Exarcas Pai, Profeta e Nêmesis ganham uma relevância maior.
Caso seu jogo admita crossover com outras linhas, vale a pena pensar também em como as outras criaturas sobrenaturais, que desconhecem a existência dos Exarcas, acabam reforçando a mentira e servindo aos Profetas por tabela. Isso não faz dos outros sobrenaturais antagonistas, mas evidencia problemas de compreensão do mundo que precisam de empenho mútuo para serem conciliados.
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– Dante Alighieri